sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Conquistas da Comunidade LibreOffice

Tradução: Bruno Ferreira


Recentemente o Projeto LibreOffice liberou a versão 5.0 de sua suíte office multi-plataforma. A nova versão trás vários recursos típicos de uma suíte de escritório bem elaborada e que roda em ambientes Linux, Windows, Mac e em dispositivos móveis.


Falar LibreOffice ou OpenOffice para o público em geral pode levar a reações iteressantes. Para algumas pessoas, LibreOffice é o queridinho do mundo do software livre, e para outros, é a cópia mal feita do Microsoft Office que eles olham com desconfiança.


Eu acredito que o LibreOffice alcançou uma função importante no mundo, e que vai além da mera função de uma suíte de escritório. Mas, antes de chegarmos a isso, é importante que olhemos para trás através da imensa jornada que levou o Projeto LibreOffice ao que conhecemos hoje.




Voltando no Tempo


A história começa em 1985, quando Marco Börries criou o StarWriter para o Zilog Z80. Posteriormente ele fundou a StarDivision e começou a construir o que hoje é conhecido como suíte de escritório moderna. O fruto desse esforço foi o StarOffice, que unia funções de editor de textos, planilha eletrônica, gerador de apresentações, banco de dados, software de desenho, fórmulas e outras ferramentas.


Nos anos iniciais do Linux, o StarOffice era a única suite de escritório bem desenvolvida disponível para esse sistema. Era desajeitada e feia, mas funcionava bem e desempenhou uma função importante para os novos usuários Linux. Nunca esquecerei a possibilidade de criar um cartaz para meu grupo de usuários Linux e imprimí-lo, o que era na época um grande passo adiante para o Linux.


Em 1999, a Sun comprou a StarDivision por 73,5 milhões de dólares e, de acordo com a imprensa, comprar toda a companhia foi mais barato que pagar licenças do Microsoft Office para os funcionários da Sun. E isso veio naturalmente com uma vantagem: a Sun agora teria sua própria suíte de escritório.


A Sun seguiu fundo na filosofia software livre e liberou o código do StarOffice em 2000, e esta iniciativa se transformou no Projeto OpenOffice.org. Primeiramente foi apenas a liberação do código, mas logo uma comunidade formou-se ao redor do projeto e tentou evoluir como uma comunidade de software livre. Eu estava em contato próximo com ambas as comunidades, OpenOffice.org e Sun Community, e rapidamente vi as coisas complicarem.



Tempos Difíceis


Apesar de termos uma dívida de gratidão para com a Sun, por abrir o código do StarOffice, isso significou liberar um gigantesco bloco de código monolítico e rústico que poderia afugentar o mais impetuoso programador. As pessoas que se juntaram ao projeto OpenOffice.org nesses dias assumiram a tarefa complexa, ingrata e mentalmente desgastante de entender aquele enorme código espaguete e prepará-lo para futuro desenvolvimento. Eles foram verdadeiros heróis do mundo do software livre.


A Ximian foi uma das empresas envolvidas no projeto. Michael Meeks, um importante membro do projeto OpenOffice.org, criou um patch específico, chamado ooo-build, que tornava a gerência do código no Linux mais fácil. Isso resultou em um software chamado go-ooo, que incluía alguns recursos que não existiam no código original do OpenOffice.org.


Nesse tempo, a Sun estava contribuindo menos com o projeto, possivelmente porque os objetivos financeiros e administrativos mudaram. Para piorar as coisas os responsáveis pelo OpenOffice.org na Sun respondiam menos às contribuições de código externas. Isso criou um ambiente em que Michael Meeks e outros desenvolvedores trabalhavam duro para criar uma suíte de escritório que o mundo do software livre pudesse se orgulhar, mas esse esforço falhava por falta de resposta.


Lembro desses tempos claramente. Michael Meeks fazia tudo que podia para inspirar e encorajar a Sun a gerenciar o OpenOffice.org de forma que fosse mais de acordo com um projeto de software livre. Eu até passe algum tempo com Michael tentando conversando com pessoal da Sun, e tentando que a Canonical ajudasse. Infelizmente esse esforço não trouxe muito resultado. Para falar a verdade eu estava a par de várias das considerações internas na Sun, e sua relutância em se envolver pode ter sido resultado de grupos de gestão externos e recursos de engenharia limitados.


Em 2010, a Oracle adquiriu a Sun. Isso causou ondas de choque pela comunidade de software livre e pode ter sido o que colocou a locomotiva novamente nos trilhos. Ainda nesse ano a organização Document Foundation foi anunciada como novo hospedeiro do trabalho derivado do OpenOffice.org, o LibreOffice. Esse seria o novo projeto de software livre pelo qual Meeks e companhia tanto haviam lutado.



Uma Nova Era


Desde esses dias, o LibreOffice tem se fortalecido mais e mais. Aquele enorme código monolítico foi modularizado, atualizado e refinado. O suporte multiplataforma foi expandido, novos recursos adicionados, redundâncias removidas, e uma visão de simplicidade e usabilidade aplicada. Além disso, uma nova comunidade nasceu, cenferências e encontros de desenvolvedores foram fundados, patrocinadores surgiram, e outras comunidades – como de documentadores, escritores, tradutores, artistas, designers – criadas.


Olhar para o LibreOffice e compará-lo com o Microsoft Office pode ser tentador. Certamente, o LibreOffice não provê o mesmo nível de recursos e finesse, que o segundo apresenta, mas quando pensamos no “antes e depois” desde os anos 1999 até hoje, o que a comunidade alcançou é fenomenal. Desenvolver o LibreOffice tem sido um trabalho difícil, tecnicamente desafiador, e algumas vezes desmotivante, e contribuições tem sido feitas por milhões de usuários ao redor do mundo.



Mais que uma Suíte



Além das tremendas realizações técnicas da comunidade LibreOffice, o projeto desempenha uma grande missão além mundo do software livre. Estamos vendo uma grande renascença do espírito de comunidade no mundo. Pessoas estão se unindo para criar, compartilhar e colaborar de novas e interessantes formas. Uma coisa que aprendi em minha carreira é que qualquer missão ou visão é possível quando temos o conjunto correto de ferramentas, conhecimento e pessoas. O conjunto “ferramentas” é onde se encontra o LibreOffice.


Nos dias iniciais do surgimento do Linux e do software livre, um conjunto de ferramentas permitiu que muito do que temos hoje fosse possível. Entre essas ferramentas estão o gcc, make, binutils, e outras peças do sistema GNU. Sem elas, disponíveis livremente, desenvolvedores não teriam como realizar muitas coisas.


Comunidades de software livre não trabalham apenas desenvolvendo software. Elas são grupos locais, esforços de ativismo, escrita colaborativa, modelagem de dados e mais. Como era nos dias iniciais dos projetos de software livre, ferramentas abertas, disponíveis livremente e conteúdo hackeável são imprescindíveis. O LibreOffice está fornecendo a ferramente livre que pode inspirar uma geração a criar conteúdo aberto em formatos abertos.


Por exemplo, para auxiliar a criar grupos locais cordenados ao redor do mundo, devemos ter kits de materias, disponíveis livremente por download, que esses grupos possam usar para criar cartazes, documentos, crachás, autocolantes etc. Prover material é uma coisa, mas prover material num formato que possa ser utilizado, editado e customizado com uma ferramenta livre significa que comunidades não precisarão se preocupar em comprar uma suíte de escritório proprietária.


Uma combinação de formatos e ferramentas abertos levou à revolução colaborativa que vemos hoje. Apesar de ser tentador ver o LibreOffice como mero substituto livre do Microsoft Office, essa linha de pensamento subestima a incrível missão que aquele pode desempenhar na revolução do desenvolvimento de software.


Ao terminar essa coluna hoje à noite, estarei saudando meus amigos do Projeto LibreOffice. Vocês são a esência do que amo no código livre: a gentileza, experiência, e senso de comunidade que faz isso tão especial. Obrigado pela sua devoção e esforço.




Tradução livre: Bruno Ferreira.


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